Sunday, March 4, 2007

João Malheiro: A idade, a história, o futebol


João Malheiro, profissional da Comunicação, lançou o seu mais recente livro “A Idade da Bola”. O jornalista que ficou conhecido pelo seu desempenho enquanto Director de Comunicação Social no Sport Lisboa e Benfica dedica-se à escrita com maior fervor. Vê na escrita uma actividade que o satisfaz e confessa que não tem em mente o regresso ao jornalismo desportivo.
Loures e Vila do Conde são os locais que escolheu para viver. O seu percurso curricular é vasto: jornal “O Jogo”, Rádio Clube do Porto, Rádio Comercial, RDP/ Antena 1, TSF e RTP. Já lhe foram atribuídos distintos prémios pela Associação Nacional de Treinadores de Futebol.
Nesta fase subsequente, alguns são os livros escritos muitas vezes ligados a figuras do futebol profissional.


Perante um comunicador de grande reputação, consideramos que muitos deverão ser os seus objectivos. Nesta entrevista serão esclarecidos alguns pontos que suscitam interesse para muitos, nomeadamente as funções de João Malheiro no Benfica, a sua ligação à política, sem nunca deixar de associá-lo ao jornalismo desportivo, base da sua carreira.

Anabela (A) - Quais os seus objectivos enquanto profissional da comunicação?
João Malheiro (JM) – Já fiz praticamente tudo aquilo que havia para fazer no que concerne à Comunicação. Trabalhei nas três vertentes dominantes do sector - escrita, falada e a audio-visual. Como considerei que seria uma fase que se esgotava, aceitei a proposta do Benfica, após muitos convites para vários cargos. Na altura em que estava no Benfica fiz uma declaração, publicada em jornais. Mencionei que nunca mais voltava ao jornalismo activo. Era uma fase da minha vida que tinha começado, que se tinha desenvolvido e que tinha chegado ao fim. Hoje mantenho-me fiel à palavra dada. Não tenho vontade de voltar ao jornalismo, no sentido de voltar a uma redacção e cumprir um horário. Posso fazer algumas colaborações pontuais, mas foi uma fase que terminou. Enquanto profissional do Benfica expus-me demasiado, tornando-se complicado o meu regresso ao jornalismo, sobretudo se falarmos da vertente desportiva. O facto de ter pertencido ao Benfica faz com que as pessoas me associem ao clube e não acreditem na minha isenção face a qualquer outro. Gostei muito, era um apaixonado por aquilo que fazia. Todavia, penso que tudo tem o seu tempo na vida. Agora gosto de me dedicar a um outro tipo de coisas, nomeadamente à escrita que me satisfaz. Hei-de voltar ao futebol, mas não como jornalista.

A – Reflecte-se alguma decepção com o jornalismo ou foi somente por já ter alcançado aquilo que queria?
JM– Não tive nenhuma decepção, pelo contrário, vivi apaixonadamente a minha fase de jornalista. Gostei imenso do que fiz, mais da rádio do que da televisão, por exemplo. Também gostei muito de escrever e hoje tenho para mim que foi fundamental começar no jornalismo escrito, essa escola fantástica. Para escrevermos bem, mesmo em outras áreas, é fundamental iniciarmo-nos na escrita.


A – Quando começou a sua carreira estabeleceu metas?
JM – Não. Aliás, comecei por acidente, visto que não tenho o curso de jornalismo. As coisas processaram-se tão celeremente que nem tive tempo para estabelecer metas ou objectivos. Sou dos últimos jornalistas sem curso na área, o meu curso é história, logo não era suposto entrar no jornalismo. A grande paixão que desde sempre tive pelo futebol fez com que, um dia, se colocasse a possibilidade de ser correspondente de um jornal que ia iniciar actividade. Entusiasmei-me com essa oportunidade e foi uma ascensão impetuosa. Passados dois anos, era um dos poucos jornalistas em Portugal que fazia, em simultâneo, jornalismo na Imprensa, na Rádio e na Televisão.

Um jornalista bem sucedido pode arrecadar distintivos que façam despoletar o sucesso. João Malheiro expõe determinadas características que, na sua opinião, são as mais significativas “ Poderia dizer o rigor, que seria a resposta politicamente correcta, mas prefiro dizer a paixão. A paixão é um conceito que os jornalistas nem sempre gostam, pois entendem que as pessoas não se devem apaixonar, devem ser frias a analisar as coisas. Nunca adoptei essa concepção. Para fazer alguma coisa tinha de gostar disso. Ao fazer jornalismo, seja qual for o género estilístico proposto, jamais dissocio a paixão no que redijo. Depois o rigor e o bom senso.”
Relativamente a características que um bom jornalista deve reunir, menciona as que acima enumerou “ O rigor, a isenção e o bom senso. A falta de bom senso pode mexer com muita coisa e, inclusive, com muitas pessoas. Devemos ter equilíbrio, lembrar-nos que o jornalismo deve traduzir a verdade mas com a preocupação de não criarmos problemas adicionais; por outras palavras, que uma notícia não se decomponha em tantas outras notícias. Um jornalista não pode pensar que é ele o protagonista, os protagonistas são os outros.
Cerca de vinte anos decorreram desde o começo da sua vida de jornalista. Muitos aspectos sofreram mutações.

A - Quais as diferenças que se evidenciam entre o jornalismo desde a sua iniciação até aos nossos dias?
JM – No meu tempo era mais tranquilo. Hoje, há uma apetência exacerbada para o que é negativo. Não se dá importância ao positivo, persegue-se a polémica: escândalo e sensacionalismo. Nesta situação, estamos pior do que estávamos. Por outro lado, o jornalismo era mais independente ao nível financeiro. Hoje, os jornalistas estão muito mais limitados na sua abordagem, pois se extravasam sujeitam-se a ter de abandonar as redacções. O jornalista tem, actualmente, a necessidade de mostrar serviço e procurar informação. O que se distingue do jornalismo de há vinte anos, altura em que era o serviço que nos procurava.

A – Revelou há pouco a sua preferência pelo jornalismo radiofónico. Como justifica essa sua eleição?
JM – É na rádio que mostramos aquilo que valemos. Não há imagens e, com o que dizemos, desejavelmente através de uma boa comunicação, temos de substituir-nos à imagem. É um desafio estupendo. Quando estamos a descrever uma situação, a pessoa não tem acompanhamento possível, não está a ver aquilo que se passa. Assim, a imagem são as nossas palavras. Em contrapartida, a rádio tem uma componente da qual hoje a televisão começa a aproximar-se – o directo. Conquanto, o directo radiofónico é mais fácil de realizar do que o televisivo que exige meios técnicos. No fascínio do directo foi onde mais me diverti.


Outra temática envolve João Malheiro – a política. Participou precedentemente na campanha de candidatura e recandidatura do Dr. Jorge Sampaio. No corrente ano, pudemos verificar a sua assiduidade na campanha do Dr. Manuel Alegre. Para quem não conhece João Malheiro poderá questionar-se acerca da sua mudança do sector desportivo para o político. “Sempre tive uma vocação enorme para a política, porque na minha família houve pessoas com uma actividade muito consequente nesse sector. Envolvi-me em acontecimentos políticos, durante a adolescência e enquanto adulto. Ter-me dedicado ao jornalismo desportivo fez com que me afastasse um pouco da vida e da actividade política. A política é um constante centro das minhas atenções. Já tinha integrado a Comissão de Honra do Dr. Sampaio e o facto de ter participado de uma forma mais permanente na campanha do Manuel Alegre tem a ver com a minha relação com ele. Além disso, defendi a candidatura de Manuel Alegre dois anos antes por achar que era importante para o País. Eu estava desobrigado, não tinha nenhuma tarefa que me impedisse de desenvolver essa actividade. Diverti-me imenso. Foi uma experiência fantástica e não excluo a possibilidade de repetir. - esclarece João Malheiro.

Vive, de forma repartida, em Lisboa e em Vila do Conde. Quando se diz que Lisboa é o centro de tudo, impõe-se perguntar porquê tão grande afeição pelo Norte.

A - Nasceu no Norte do país e exerceu funções nos media sediados nessa região. O que o levou a deslocar-se para Lisboa?
JM – Sou um grande combatente pela descentralização. Não sou dos que consideram que o país se deve resumir a Lisboa; todavia, tenho consciência que a vida, a todos os níveis, tem em Lisboa uma vibração que não existe em outras zonas do país. Sou apaixonado pelo norte, sobretudo Vila do Conde, Porto, Viana e Caminha, terras que me liga um forte apego, se bem que hoje não concebo a minha vida fora de Lisboa. Trata-se de uma cidade fantástica que tem tudo: tudo o que há de mau, mas também tudo o que há de melhor.

Um apaixonado por tudo o que faz, João Malheiro define um pouco da sua passagem pelo Benfica. O cargo de Director de Comunicação Social de um clube não era conhecido até à sua ida para o Benfica. Este profissional introduziu o nome de director de Comunicação Social com o impacto que o cargo teve. O director de Comunicação Social, essencialmente, dá ao jornalista informações para que possa escrever. Por outro lado, aconselha jogadores, treinadores, dirigentes e outros agentes a gerirem a palavra mas também o silêncio. Acresce que não pode ser qualquer pessoa a comunicar com os jornalistas, tem de ser alguém especializado, um profissional da área. Diariamente, eram dadas conferências de imprensa nas quais perguntas em sistema aberto poderiam ser colocadas, cabendo ao director de Comunicação Social responder. João Malheiro põe em evidência quatro aspectos a ter em conta um Director de Comunicação Social, no caso específico do Benfica: saber o panorama do jornalismo e do futebol, entender a modalidade, conhecer o Benfica e a cultura benfiquista.

A - Qual a sensação de exercer a profissão no clube da nossa preferência?
JM– É um pouco como superarmos o nosso próprio sonho. Chegar ao Benfica – o meu clube do coração – é, no fundo, dizermos que atingimos o topo da carreira. Tudo o que possa vir a seguir será andar para trás e não para a frente. Gostei muito da experiência, embora a situação na qual se encontrava o Benfica à época não seja a mesma de hoje.

A – O que representa desempenhar funções enquanto dirigente do Clube de Portugal?
JM – Nessa esstrutura participam, se assim o quiserem, os antigos internacionais de futebol português. Jogadores de todos os clubes, com os quais eu tenho corrido o mundo. Quando estava no Benfica, não podia dedicar grande tempo ao Clube Portugal, uma vez que o Benfica me ocupava muito tempo. Estou a estudar uma proposta interessante que vai redimensionar a organização do clube. Vou estar ligado a ela com muito apego, com muita vontade. Será bom para as pessoas porque poderão ver os seus craques e com eles contactarem sem quaisquer entraves. A minha ligação aos mais destacados futebolistas das últimas gerações é de tal forma sentida que, ainda recentemente, editei um livro, “A Idade da Bola”, que constitui um tributo ao que fizeram e que tanto emocionou o país e as nossas gentes.

A – Qual o livro que será o próximo capítulo da sua carreira?
JM – Não sei. Tenho muitas possibilidades e não excluo fazer incursões por outras áreas. Tenho ideias, mas não sei precisar por onde enveredarei. É natural que abandone a temática desportiva; gosto de uma vida polivalente, multifacetada.

A- Se escrevesse uma autobiografia, qual seria o título que lhe atribuiria?
JM – É um pouco complicado atribuir um título. No meu mais recente livro, foi o último passo de todo o processo da escrita. Por isso, escreveria a autobiografia e, a posteriori, escolheria um título.

Inúmeras experiências e acontecimentos vividos enchem a sua vida. Qual terá sido aquele momento que recorda com maior prazer. “Não é por ser muito recente, mas com toda a sinceridade, este último livro, “A Idade da Bola”. Foi o acontecimento que me deu mais prazer. Sentia uma necessidade enorme de desfazer a imagem que muitas pessoas construíram de mim (vê-lo como um membro do Benfica que apenas faz intervenções e abordagens acerca do mesmo). Efectivamente, o Benfica é o meu clube, não obstante, tenho um grande apreço pelos profissionais de outros clubes. Este livro permitiu-me escrever sobre eles: os melhores jogadores e os mais de 100 anos de história de futebol português. No que cabe a experiências, a melhor foi ser director de Comunicação Social do Benfica. Era tal a intensidade que é difícil descrever por palavras. Toda a vida de uma pessoa se altera. “

Ex-jornalista desportivo, ex-director de Comunicação do Benfica, hodierno escritor. Acima de tudo, homem profissional, detentor de um cariz peculiar que vem alcançando grandes conquistas na sua vida.


Anabela da Silva Maganinho
P.S. Aqui fica então o agradecimento e por isso o coloquei nesta posição nos meus artigos

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