Friday, November 9, 2007

Uma carreira em dois lados


David Fonseca editou o novo registo “Dreams in Colour”, no mês de Outubro, tendo procedido ao lançamento em Lisboa e no Porto.
O músico oriundo da cidade de Leiria começou por ser um ouvinte, cuja verdadeira paixão era uma outra arte: a fotografia.
Aos 20 anos, David decidiu enveredar pelo mundo da música com a banda de renome Silence 4 que, com o álbum de estreia “Silence Becomes It”, atingiu as 240 mil cópias vendidas.
A aventura que teve início no ano de 1998 deu por terminada cinco anos depois, optando o vocalista por prosseguir com uma carreira a solo. O primeiro disco “Sing me something new” (disco de ouro) mostrou um novo lado de David Fonseca, como compositor e intérprete, que despoletou com o single número um do top nacional “Someone that cannot love”.
Humanos é o subsequente projecto pelo qual David Fonseca envereda, no ano de 2004, dando voz, juntamente com Manuela Azevedo e Camané, a temas inéditos de António Variações.
Um ano após chega às discotecas “Our hearts will beat as one”, o segundo álbum de originais. O registo foi “aclamado pelo media” e “considerado por muitos o álbum pop do ano”. Logo na primeira semana, o disco arrecada o galardão de disco de ouro.
“Dreams in colour” é o mais recente trabalho de David Fonseca, do qual se destaca o êxito “SuperStars”, para além de “Kiss me ou kiss me” - tema eleito por muitos dos fãs, o melancólico “I see the world through you” e, entre os demais sucessos, “4th Chance”, um dos temas favoritos do músico.

Anabela (A) - Vamos recuar um pouco no tempo. Lembra-nos o início da tua carreira. Como é que despertou em ti a música?
David Fonseca (DF) – Antes de tocar que instrumento fosse, despertei para a música mais para ouvir. Eu era um grande ouvinte, antes sequer de fazer qualquer tipo de música e só muito mais tarde (com 16/17 anos) comecei a tocar. Lembro-me que era um daqueles fanáticos por música, do tempo onde se gravavam músicas da televisão com gravadores. A posteriori, tocava músicas de artistas que gostava com amigos em vãos de escada de prédios até que, três/quatro anos depois encetei pela composição.

A – Já gostavas de uma arte, a fotografia, à qual se juntou a música. Qual a grande paixão da tua vida?
DF – É difícil dizer. A primeira foi, de longe, a fotografia. Ainda hoje posso dizer que passei mais horas dentro de um estúdio a revelar fotografias do que a fazer música, de certeza absoluta. Comecei mais ou menos aos 15 anos e passava imenso tempo a revelar fotografias e a tirar e a procurar coisas engraçadas naquilo. Mesmo quando fazia música, não deixava isso de parte; só numa fase muito mais tardia, com 28/29 anos, é que já não tinha tanto tempo. O tempo foi sendo cada vez menor… No tempo dos Silence 4 continuava a fazer muitas fotografias e andava sempre a distribui-las por toda a gente. Por isso acho que a primeira paixão de todas seria a fotografia, a segunda talvez a música.

A – Os Silence 4 foram o «salto para a ribalta». Concordas com esta afirmação?
DF – Sim. Gosto muito dessa palavra a “ribalta”, gosto disso. Antes dos Silence 4 ninguém sabia quem eu era, nem sabiam mesmo quem os Silence 4 eram. Penso que só com aquele boom todo é que, de repente, as pessoas ouviram falar de mim. Foi um fenómeno difícil de contornar, mas foram os Silence 4 que me permitiram ser conhecido pelo grande público.

A – Vês esse projecto com alguma distância ou está ainda muito presente na tua carreira?
DF – Vejo com muita distância. Muitas vezes, nem me lembro já como é que as coisas eram nesse tempo. Apesar da memória auditiva ser muito curta nesse sentido – porque as músicas dos Silence 4 continuam muito presentes hoje quando se ouvem na Rádio – em termos de vivência pessoal, para mim, os Silence 4 não existem há seis anos. Seis anos é muito tempo na vida de uma pessoa e isso faz com que tenha um desapego muito grande com o projecto. Nem me lembro como é que funcionava, nem que vontade tínhamos nós de tocarmos juntos. É algo que acontece com todos os elementos da banda, não só comigo. É, de facto, um projecto do qual todos nos distanciamos há muito tempo.


O lado humano de David Fonseca

A – Com o primeiro álbum editado, foste convidado a participar no projecto “Humanos”. Como vês essa passagem?
DF – Foi incrível. Foi o chamado acidente de trabalho, mas um acidente bom. Considero que ninguém estava à espera de fazer bem aquilo, nem era um projecto em que uma pessoa consegue idealizar algo. Quer dizer, não havia grandes planos e, de repente, acontece e tudo vai aparecendo cada vez melhor. Lembro-me que quando se lançou o disco estavam todos muito satisfeitos; todavia, longe de pensar que iria ser um sucesso. Participei muito mais nos espectáculos ao vivo, uma vez que no disco só participei com a voz. Até hoje foi dos momentos que mais gostei na minha carreira. Isso deve-se a estar a fazer uma coisa com pessoas que admiro imenso e com um projecto onde não tive sempre que dar a cara; ou seja, um projecto onde dois terços do tempo eu estava atrás, na banda, a tocar. Foi inacreditável e adorei isso.

Os sonhos a uma só cor: vermelho
A – Agora nasce o terceiro álbum. Fala-nos um pouco acerca de “Dreams in colour”.
DF – Este disco foi um disco um pouco abrupto. Normalmente, demoro muito tempo a fazer os discos, cerca de um ano, e este foi, exactamente, o contrário. Decidi que ia fazer o disco, peguei nas ideias e desatei a correr… só parei quando o disco estava feito. Consegui o disco no espaço mais curto de sempre: entre Março e Agosto o disco estava concluído. É um disco um pouco mais positivo do que os anteriores, porventura mais eufórico e alegre. Reúne uma série de características que o distingue dos outros, embora continue a ter sempre uma certa carga melancólica por trás. Na apresentação do Colombo, uma pessoa dizia-me que todos afirmavam que esta música “SuperStars” era uma música muito positiva e ela achava que não. Assumia ser uma música extremamente melancólica, ainda que muito ritmada. Efectivamente, é uma realidade. A música é melancólica, mas a ideia está por detrás de um certo ritmo e de uma certa animação. Pelo que as pessoas põem o meu sentido muito mais positivo, o que não deixa de ser curioso. De qualquer forma, mesmo havendo essas excepções, acho que continua a ser um álbum mais positivo que os anteriores.

A – Como caracterizas o álbum? Parece que há um flashback no decorrer do álbum algo não está bem quando, repentinamente, lembras-te do que passou e voltas à realidade e constatas que foi um sonho a cores.
DF – Vi um pouco como um vinil. O vinil tem sempre dois lados e o disco está quase dividido em dois. Até metade tem um lado mais eufórico, subsequentemente encontramos um lado mais melancólico. Quis que isso fosse assim, pois reconheci que eram dois momentos específicos do disco que, em vez de os misturar todos, devia separá-los para serem vividos de formas diferentes. Do meu ponto de vista é uma espécie de sentimento pós-festa, pelo menos do meu sentimento pós-festa. A festa acaba e vão todos embora. Está tudo muito sujo e a pessoa senta-se no silêncio onde paira uma certa melancolia. Vejo o disco um pouco assim: a festa e o pós-festa. Portanto, acho que sim, que tens alguma razão.

A – Este é um álbum bem diferente dos outros não só em termos de sonoridade como do tema das músicas. Como justificas esta mudança?
DF – Pelo simples facto de existir; isto é, a pessoa que és agora, não é a mesma pessoa que serás daqui a alguns anos. É uma característica que, quando se fazem coisas criativas, acaba por ser muito mais determinante. As pessoas estão sempre em mutação e estão sempre a descobrir coisas novas que as fazem ver o mundo de formas diferentes. A forma que fazia sentido outrora, hoje se calhar já faz outro sentido. O que aconteceu neste disco foi isso. Ao longo destes últimos dois anos, especialmente através dos espectáculos ao vivo, vejo que as coisas têm mudado muito para mim: a forma de ver a música, de ver toda esta actividade e o modo de fazer coisas criativas dentro dela. Não obstante, o meu espectáculo ao vivo já estava muito longe daquilo que é o segundo disco a solo. O novo álbum pode trazer a realidade mais presente: um bocadinho mais festiva, mais positiva, tendo sempre o universo melancólico por trás. Penso que é completamente agarrado à minha personalidade e que é difícil de sair.

A – Sonhas a cores ou na tua vida também constam sonhos a preto e branco?
DF – Não faço ideia. Sonho muito pouco e quando sonho são coisas terríveis sempre a cores, em que a cor predominante é o vermelho… mas de sangue. Sonho muito com pessoas decapitadas e pessoas que ficam sem partes dos corpos… Isso deve ser explicável mas não faço ideia porquê. É muito raro lembrar-me dos meus sonhos, talvez por dormir pouco. Quando durmo, durmo de uma forma muito intensa e dedicada. Tenho pena, porquanto considero que os sonhos nos dizem coisas muito engraçadas da vida em geral e confundem-nos um bocadinho. Muitas vezes os nossos sonhos indicam-nos aquilo que nos perturba de alguma forma, no dia-a-dia; porém, temos alguma dificuldade em dizer que nos perturba, em assumir os nossos medos. Os sonhos têm muito a ver com isso: com a parte que nos perturba, mas que não vemos muito bem.

A vida (en)cantada de músico

A – Há na tua vida o lado certo do errado?
DF – Isso é o que mais acontece na vida de toda a gente, não só na minha. As visões que as pessoas têm do mundo são diferentes. Aquilo que é certo para mim pode ser diferente para outrém. Sinceramente, acho que é das coisas melhores coisas que existem no género humano: o facto de não concordarmos todos e podermos estar sempre noutro sítio. O sítio que é errado para alguns pode ser o certo para mim. O contrário também é possível, porque acabo por ser, de um certo ponto de vista, algo conservador da forma como vejo a vida. Como costumo dizer o “conservador libertário”, entre o conservador e o nada conservado. Não raras vezes, é no choque dessas ideias que surgem as melhores canções, as melhores criações. Geralmente a criação não tem grande concordância, pois quando tudo é concordante é porque alguma coisa está mal. Prefiro quando as coisas não são muito equilibradas, uma vez que um certo desequilíbrio é o que traz as coisas interessantes à parte criativa.

A – Acabaste há pouco de gravar e já estás na estrada. Qual a fase que preferes: o estúdio ou ao vivo?
DF – A digressão. No estúdio estamos dias e horas e semanas a repetir as mesmas coisas, à procura de uma coisa muito específica. Ao vivo não. Tocamos uma vez e as coisas são o que são e há muito menos artifícios… Parece que é tudo muito mais real do que no estúdio. Acontece mesmo e tudo se enreda e divertimo-nos muito acima de tudo.

A – Andar em constante digressão faz-te ter sempre saudades de casa ou consegues lidar bem com isso?
DF – Estou habituado. É daquelas coisas que as pessoas quanto mais fazem, mais se vão habituando. Na vida de músico, quando não se está não se está mesmo; no entanto, quando se está, está-se mesmo. Esta é uma profissão que acaba por ser muito mais interessante do que se tivesse um emprego das 9 às 17h, até porque não sei se conseguiria sobreviver.

David Fonseca revela que a fase de promoção é aquela que lhe custa mais “não esta entrevista em si, mas a promoção em geral”. O músico explica que “tem muito pouco a ver com música. A actividade de um músico prende-se muito com a parte criativa de fazer a música e com a parte divertida de fazer o espectáculo. A promoção tem a ver com a parte específica de promover o disco e o espectáculo e tudo isso, e pouco tem a ver com a parte musical”.
Por entre concertos, showcases ou, simplesmente, actuações e entrevista a vida de David tem sido a percorrer o país. Poderíamos adjectivar a sua vida como a de uma “SuperStar”; contudo, “a minha vida?! Não. A minha vida, felizmente, é uma vida com muito mais rotinas do que possa aparentar, porque defendo muito essa rotina”.
David Fonseca confessa que gosta de “pensar que a minha vida é o mais normal possível e luto muito para isso. Atrás dessa normalidade estão as coisas mais engraçadas da vida. As pessoas podem achar que não, mas estão nas coisas do dia-a-dia, nas vivências que se têm do dia-a-dia”. Ainda assim não deixa de admitir que tem “a sorte de poder fugir um pouco às rotinas do dia-a-dia e fazer uma coisa que eu acho extraordinária. Quando estou fora do ambiente [da minha actividade], aquilo que mais quero é que ela seja o mais normal e rotineira como todas as outras”.

A bidimensionalidade da música

A – Perante aquilo que a música representa para ti e o ambiente que acerca a indústria, qual a tua visão do mundo da música actual?
DF – Com o tempo habituamo-nos a separar um pouco águas, neste meio. Há o gostar de música e fazer música porque se gosta e, por outro lado, há o lado mais técnico de tudo isto. Levar as músicas a um palco, como funciona esse processo, como se vendem os discos, como são postos à venda é o mundo da música muito mais técnico. Confesso que o facto de trabalhar com uma editora multinacional me ajuda muito nesse sentido, porque não tenho de pensar nem em metade desses pormenores; portanto, a minha visão acerca da música continua a ser muito cândida, uma visão muito mais musical. Continuo a achar que, para mim, é muito viva a ideia da génese – da canção, das músicas, dos ensaios -; por isso, não me preocupo muito com isso.

A – Qual é a grande luta da tua vida?
DF – Não sei. Queria continuar a fazer música. Acho que continua a ser uma luta grande. Por incrível que possa parecer, quando faço um disco novo, sinto que estou praticamente – não totalmente – mas praticamente a começar do zero. A possibilidade de fazer um disco que entra no esquecimento é muito plausível de acontecer com o mercado em que vivemos e a forma como as coisas acontecem. Por isso, fico sempre a pensar que, no próximo disco, ninguém me vai ligar nenhuma ou que as coisas não vão ser como nos precedentes. Felizmente, as coisas têm corrido bem; todavia, sinto que é sistemática essa luta de levar a música a um máximo número de pessoas possível. Gosto dessa luta e penso que também é o que me mantém, de certa forma, vivo dentro deste meio.

David Fonseca: who are you?

A – Quem é hoje o David Fonseca?
DF – Hoje? Não faço ideia (risos). Hoje talvez seja uma pessoa muito mais segura de si, especialmente naquilo que faz. Estou mais determinado naquilo que quero fazer e persigo mais. Não tenho tantas dúvidas como tinha há uns anos atrás e, acima de tudo, sou uma pessoa que se quer divertir. Não faço música só por ter de fazer, nem tão pouco por ser uma profissão. Faço isto mesmo porque quero sair de casa a dizer: “que bom que saí hoje de casa para tocar”. Sou uma pessoa muito feliz dentro dos panoramas gerais, uma vez que são poucas as pessoas que fazem aquilo que, realmente, gostam.

Galardoado com vários prémios no decorrer dos anos, David Fonseca considera-se realizado, mas “não por causa dos prémios”. “Não são os prémios que me trazem a realização pessoal, declara o músico e expõe que “a realização pessoal vem através da satisfação pessoal e a satisfação pessoal não é atingida com prémios. É atingida com o facto de se conseguir fazer uma música que alguém gosta muito ou quando, no final do espectáculo, alguém vem ter contigo e diz eu gostei muito disto”.
Segurar um prémio na mão e o prestígio não são os elementos que proporcionam as grandes sensações em David Fonseca; contudo, tem “a noção clara de que aquele prémio podia significar muito para muitas pessoas”. Apesar de “gostar de receber o prémio”, o que o motiva verdadeiramente, “são as pequenas coisas, tal como na vida”. Assim, “são as pessoas que me dizem coisas bonitas no final dos concertos e tocarmos muito bem num dia uma música muito específica que me motivam mais e que despoletam a satisfação pessoal”. O músico não ignora que “o sucesso é bom, e já vivi muitas alturas de sucesso, megalómanas mesmo como no tempo dos Silence 4; no entanto, não é isso que me motiva, nem é isso que me move a querer fazer música”, patenteia.
E para o futuro nada é descoberto, apenas se sabe que continuar a tocar “é a única coisa que quero agora. Tocar muito este disco e ir pela estrada”, anuncia David Fonseca.
O músico multifacetado, que revela o bipolarismo da música e vê a vitória como objectivo de qualquer competição, (pros)segue no panorama da música nacional por mais lutas que se travem e mais sonhos que se interpelem, porque só assim é possível “ver o mundo através dele”.

Anabela da Silva Maganinho

A foto tirada pelo David marca a diferença de um fotógrafo

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