Thursday, February 7, 2008

O homem reflectido por detrás da personagem

Alexandre Borges, que desempenha a personagem de Dr. Escobar em “Desejo Proibido”, voltou a Portugal para reviver a terra que reúne as suas origens. O rei do Carnaval da Mealhada de 1996 regressou ao trono 12 anos depois e efectivou mais um desfile da sua vida.
O interesse pela representação suscitou desde cedo em Alexandre; no entanto, o empenho e o trabalho moroso foram fazendo parte de cada traçado do seu caminho enquanto profissional. Estreou-se no teatro, tendo percorrido os palcos cinematográficos, e foi nas telenovelas que conseguiu o protagonismo que hoje reúne por entre brasileiros e portugueses.
Bruno foi um dos primeiros papéis que teve de interpretar no «grande ecrã» e esse tempo parece longínquo se estivermos defronte o percurso de Alexandre por “Laços de Família”, “As filhas da mãe”, “Celebridade” ou “Belíssima”. Desempenhos distintos por várias personagens que integram o repertório de um só actor.
Actualmente, cabe-lhe encarar Escobar, um psicanalista que se apaixona pela paciente Ana e que o junta novamente à actriz Letícia Sabatella, após a emocionante história de amor que interpretaram em “A Muralha”.
Alexandre esteve três dias em Portugal e deixou a promessa de tornar a terras lusas para novos enredos.

Anabela (A) – Antes de sabermos um pouco acerca da passagem que o marcou em Portugal gostávamos de saber como foi a sua entrada no mundo da representação e como surgiu o gosto por esta arte.
Alexandre Borges (AB) –
O teatro apareceu na minha vida um pouco em função do meu pai. Somos de uma cidade no litoral de São Paulo chamada Santos e o meu pai é director de teatro. Os meus pais separaram-se quando eu era muito pequeno, tinha apenas três anos, e eu costumava passar os fins-de-semana e as férias com o meu pai. Posso dizer que cresci com ele a fazer teatro nos bastidores e participei, inclusive, em peças de teatro amador infantil. A minha mãe também tinha um lado artístico. Ela era bailarina, os meus tios tocavam música, não obstante, à minha avó que era muito ligada ao palco e às artes. Aliás, resolvi homenageá-la ao adoptar o nome artístico Borges, por ser uma mulher que sempre batalhou muito para que um dos filhos fosse artista. Ela acabou por falecer e, de repente, eles tiveram de rumar noutras direcções para sobreviverem. A junção destes aspectos acabou por me levar até à representação.

A – E recorda como foram dados os primeiros passos enquanto actor?
AB –
Na adolescência, já estava ligado ao teatro com peças infantis. Entretanto, terminei os estudos, mas não enveredei pela faculdade. Ao completar os 18 anos fui para São Paulo e aí queria, realmente, ser actor. Ingressei num grupo de teatro e comecei a fazer teatro e a aprender com os grupos que lá existiam. Permaneci na cidade nove anos e persisti na batalha de iniciante. A partir daí as coisas foram acontecendo. Tive a oportunidade de vir para Portugal através do teatro, em 1986, e estar no Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), no Porto. A posteriori, apareceu o cinema ao qual se seguiu a televisão e as coisas foram-se engrenando.

A – Numa entrevista brasileira mencionou que pensa que se iniciou um pouco tarde. Referia-se a encetar tardiamente na representação ou nas telenovelas?
AB –
Nas telenovelas. Não é que tenha começado tarde. Comecei na hora certa, por que considero que cada pessoa tem a sua carreira e o seu momento e não existe uma regra no meio artístico. O momento certo é uma coisa muito específica de cada um. A televisão surgiu numa altura em que eu já fazia teatro e, portanto, já tinha alguma experiência. Acredito que se tivesse começado muito novo não ia ter «bagagem artística». Então, veio no momento certo, mas com nove anos de carreira profissional no teatro.

Com participações no teatro, no cinema e na televisão Alexandre Borges revela que “o teatro é a casa do actor” e isso tem uma razão consistente, uma vez que “é o [palco] que reúne os textos clássicos, todas as personagens maravilhosas, os grandes autores… peças modernas da Rússia, de Inglaterra, da Itália, do Brasil, de Portugal”.
O actor revela que o teatro é “uma coisa muito ampla de onde advêm a televisão e o cinema”, uma vez que estes meios surgem pela “arte dramática”. Ainda que goste muito da televisão por ser um veículo popular que chega a todos é “o teatro [que] vai ser sempre o lugar onde vou procurar estar, onde vou estar mais à vontade, onde vou poder, realmente, exercer em pleno”.
No entanto, importante é conseguir proporcionar a qualidade às pessoas “que muitas não têm condições, nem financeiras, para irem ao teatro ou ao cinema e é por intermédio da televisão que é dada essa oportunidade: a oportunidade das pessoas se identificarem, de sonharem e de terem o seu momento ali”.

A – Na diversidade de interpretações que uma personagem pode exigir temos em conta que costumam identificar-se duas tipologias – o vilão e o bonzinho. Sobre qual recai a sua eleição no mundo da expressão?
AB –
Acho que essa variedade é que é interessante. É mau quando fazemos apenas um tipo de papel. O Escobar é um rapaz apaixonado que irrompeu num momento importante. Na mini-série “Amazónia”, fui um herói, uma pessoa que lutou por um ideal. Todavia, também tive personagens como o Danilo, de “Laços de Família”, que era um malandro (Alexandre ri-se quando fala no «cafajeste») ou como o Alberto de “Belíssima”.

A – No que concerne à interpretação, qual é o que exige mais trabalho?
AB –
Todos dão trabalho, mas, ao mesmo tempo, dão muito prazer. A personagem é sempre um enigma: está lá, no entanto, nunca sabemos. Até o conseguirmos entender, desenvolver e dar vida é sempre um mistério que exige dedicação e concentração. Obriga-nos a preparar e a recorrer à fantasia pela criatividade. Às vezes, conseguimos pegar num caminho e é, justamente, o que pretendemos; outras lutamos muito, pensamos e depois não sabemos como vamos fazer e a personagem não se obtém.

A – O que é que se torna mais difícil de lidar, no Brasil, para um actor como o Alexandre? As muitas fãs em redor?
AB –
Não, isso não é difícil (risos). Penso que a pior coisa, para um actor, é ser ignorado. Não termos uma voz, nem uma forma de atingir alguém. Nesse sentido, enquanto estiver a atingir as pessoas, pela empatia, estou feliz. A – Neste momento está no lado oposto do oceano Atlântico, está novamente em Portugal, qual a opinião que emite em relação aos portugueses e ao próprio país?
AB –
Tenho uma história antiga com Portugal. Desde 1986 que venho cá e cheguei mesmo a morar no Porto durante um ano (1989-90). Já filmei aqui um filme estrangeiro de Walter Sales e, depois disso, retornei com o teatro para a peça “Os dois perdidos numa noite suja”, protagonizada ao lado do actor português José Moreira. Além disso, eu e a Júlia trouxemos a “Eu sei que vou te amar”. Portugal é um país muito próximo. As pessoas são muito próximas, ainda que considere que cada país, cada povo, tem as suas características. Não raras vezes podemos pensar que [portugueses e brasileiros] são pessoas muito parecidas; contudo, não são. Falamos a mesma língua, mas nem o português é brasileiro nem o brasileiro é português e essas diferenças têm de ser respeitadas, por que é bonito. É isso que é bom quando eu venho cá: sinto a minha raíz, de onde veio a minha língua, sinto a minha origem, mas sei que sou diferente e sei que vocês são diferentes. Penso que é por isso que convivo muito bem, tenho grandes amigos portugueses e identifico-me bastante com este país.

A – Após o desfile em 1996 foi convidado, novamente, para o desfile de Carnaval. Qual poderíamos dizer que seria o desfile da sua vida?
AB –
O primeiro desfile que fiz aos 12 anos com o meu pai. Estávamos numa ala de artistas, em Santos, numa escola chamada X9 e eu saí de malandro, chapéu panamá, todo de branco e cravo vermelho. Foi o meu primeiro desfile e, efectivamente, foi uma coisa inesquecível para mim. Desde então sou apaixonado pelo samba e pelo Carnaval.

Alexandre Borges sente-se, neste momento, concretizado; porém, assume que “a vida é cheia de surpresas”. Confessa que é uma pessoa realizada por ter “uma família linda, pessoas que amo muito, além disso, amo o meu trabalho e tenho a oportunidade de exercê-lo”. Gostava de ainda vir a interpretar Édipo Rei, uma personagem da tragédia grega, com a qual se identificou, por ter “um pouco a ver com o meu momento, inclusive de idade. Acho bonito, mas é um projecto sobre o qual é preciso ter dedicação, tempo e uma boa produção”, revela o actor ao referir que este é um trabalho subsequente que pretende fazer.
É pelo trabalho que se tem dado a conhecer aos milhares de pessoas que o vêem, conquanto, além de personagem, Alexandre é uma pessoa que tenta sempre fazer melhor para merecer as coisas que tem e, para isso, “procuro estar sempre a aprimorar-me de forma a conseguir melhorar”, revela. Aos 41 anos, admite que há, ainda, muita coisa para ser feita e muitos sonhos para serem postos em prática: “tenho muitos sonhos e muitas coisas pela frente, mas vivo muito o dia-a-dia e encaro a vida como um dia após o outro. Gosto de olhar para trás e ver o que aconteceu. Olhar para o presente e ver o meu filho aqui comigo, a divertir-se, a conhecer um país novo que vai ser tão importante para ele nos estudos. São essas coisas que valem a pena que fazem sentido na vida e eu estou muito agradecido por isso”, assevera.
A telenovela em exibição vai ocupar o casal Alexandre Borges e Júlia Lemmertz até ao mês de Maio e só quando essa interpretação estiver concluída é que vão começar a planear outra etapa: “com a novela é difícil envolvermo-nos noutra coisa. Estou à espera que ela acabe para pensar em algo para o futuro, mas, com certeza, vou querer descansar”, afirma o artista. No entanto, e por serem profissionais da arte, estão a pensar trazer um novo projecto para o nosso país. Alexandre escreveu uma peça “de um casal, dois actores, que integrariam uma produção pequena”. Falta só a “coragem para pôr em prática” que Alexandre confessa ainda não ter por ter vergonha, “mas este era um projecto que eu queria fazer”.
Com um filho já crescido, o casal também tem em conta o bem-estar daquele que quer ser jogador de futebol. Miguel não parece querer seguir as pisadas dos pais, porém, o que é relevante, para Alexandre, é que “ele seja uma criança alegre, participativa, respeitadora e o que vier vai ser bem-vindo”.
A complexidade de uma personagem pode traduzir-se na simplicidade de uma pessoa, homem e pai, que aproveita cada momento como se se tratasse da última cena para a longa-metragem que não carece de guiões.

Anabela da Silva Maganinho

No comments: