Tuesday, April 24, 2007

As viagens da emoção, da perdição ou do conhecimento das civilizações

Sergio Luís de Carvalho, Richard Zimler, Vitor Quelhas, Paulo Nogueira e João Aguiar


A sexta mesa que ocupou uma das salas da galeria municipal, hoje (23 de Abril), coincidiu com a presença de quatro jornalistas em cinco participantes.
Pelas 18horas “Viajar: abertura cultural para a diferença” acolheu um número considerável de curiosos e admiradores da escrita sobre viagens. Vítor Quelhas moderou, então, mais três jornalistas: João Aguiar, Paulo Nogueira (Brasil) e Richard Zimler (EUA). Sérgio Luís de Carvalho nem por isso se sentiu desintegrado na discussão, mostrou apenas um ponto de vista divergente de acordo com a sua visão de historicista.
Paulo Nogueira iniciou o discurso após a introdução de Vítor Quelhas. Apesar de a sua disposição na mesa não ser por esta ordem. Paulo Nogueira teve de esclarecer o seu ponto de vista de imediato, devido a motivos profissionais que o levaram a ter de se ausentar muito cedo. O escritor nasceu no Brasil, ainda que, em 1985, se tenha radicado definitivamente em Portugal. Trabalhou em diversos jornais na área cultural e colaborou em distintas publicações. Actualmente, colaboro com o jornal “Expresso”. “Transatlântico” e “Suicida Feliz” são as últimas obras editadas e a elas se junta “Estamos Todos Tão Sozinhos”, cuja apresentação será feita no mês corrente.
Paulo Nogueira deixou evidente que a solidão pode ser vista de duas formas “solidão do leitor que lê o livro e a solidão do autor que o escreveu e leu”. O tema de abertura deste volume é a diferença, pelo que o autor não deixa de evidenciar que “a situação começa quando o homem pára”. Por entre recorrências e várias obras tais como “Ulisses”, Paulo Nogueira chama a atenção para o facto de que “200 milhões de pessoas vivem e trabalham fora do local onde nasceram”. Caracterizando os escritores como que com «bichos carpinteiros», quando se pensa na entrada de estrangeiros no nosso país deparamo-nos com 23 mil que foram repatriados e chega a proferir uma analogia perante esta condição.
João Aguiar menciona também ele a noção de diferença. Aborda este conceito como forma de riqueza e enriquecimento e, simultaneamente, de contacto; e como um acto de viajar. Este contacto “não é líquido para todas as sociedades” e o que “é diferente ainda é olhado como esquisito e potencialmente mau”. Segundo este jornalista, que já percorreu os três géneros que reveste a comunicação social, “Viajar em si não quer dizer abrir porta alguma”. Podemos igualmente colocar entraves a civilizações e em conhecer verdadeiramente um país e tiramos a conclusão que João Aguiar destemidamente expõe “A verdade é que, cada vez mais, encontramos a mesma coisa quando entramos num aeroporto e saímos noutro (…) aquilo que é o valor da viagem, o contado, o cheirar, o provar e o sentir acontece cada vez menos”. Questionando-se acerca da viagem no sentido de se “o viajar, a viagem, hoje, é o exercício de abertura cultural que foi outros tempos?” demonstra “Eu duvido”. “Abrir as portas à diversidade cultural não deve ser feita apenas nos escritores, mas por todos nós”, finaliza o autor de entre tantos livros “O bando dos Quatro”.
Richard Zimler não debate tanto como os restantes. Muito sóbrio por entre palavras alegres ou irónicas mas de uma simplicidade imune a qualquer situação e a qualquer viagem, fez pairar um ambiente de serenidade e reparo e meditação em todo o auditório. O professor de jornalismo da Universidade do Porto deixa um pouco para segundo plano a visão enquanto jornalista que se resume a retratar os factos e mostra as suas emoções. Richard Zimler perdeu o seu ente mais querido muito recentemente e confessa, por consequência, “ Estou a pensar muito na morte”. Traduz para inglês obras de alguns poetas portugueses; contudo, quando a altura o transporta para outro tipo de acontecimentos o seu tom baixa. Declara perante situações delicadas pelas quais passou que “a parte mais difícil em aceitar a diferença entre a viagem que temos e a viagem que poderíamos ter tido”.
“À medida que vamos envelhecendo vamos vendo que não acontece o que pensávamos que acontecesse há trinta anos” é a isto que Richard Zimler atribui a expressão americana «life crises». “Tenho uma vida boa e esta é a minha vida”, porém, não é por pior que pudesse ser, a vida que imaginava para si aquando da sua juventude.
Richard Zimler assegurou em tom de suma, antes de proferir um excerto acerca dos momentos após a morte do seu irmão no final da década de 80, que “O desafio para todos nós é aceitar esse fosso e continuar a viver com coragem a última fase da nossa vida”.
A última palavra no seguimento do discurso coube a Sérgio Luís de Carvalho que apresentou o mais recente livro “Os Peregrinos sem Fé”. Sérgio Carvalho iniciou a sua fala, primeiramente, dizendo que “não tenho nada a ver com jornalismo a não ser ler jornais e ouvir rádio”. Despoletando alguns sorrisos por entre a plateia, o escritor define as viagens pela utopia. Obviamente que existem outras utopias: as utopias de tempo, de passado ou como crítica política, e claro que há as utopias negativas. No entanto, Sérgio Carvalho incide pelas utopias de viagem como subdivididas em quatro acções situacionais “formulado no Renascimento; «cidade de sol», de Campanela; Francis Bacon e Rabelais”. Seguidamente à sua explanação, o remate incide sobre uma enunciação talvez nunca enunciada, não pelo menos naquele fórum, “uma viagem pode ser uma perdição: não perdição da alma, mas perdição da individualidade”.
Assim, o fosso entre o que era e o que é, como reflectiu Zimler, cria situações quando homem pára reflecte (Paulo Nogueira) por entre o expelir de emoções que se detectam pelo sentir (João Aguiar) e fazem a diferença só por si, como retorquiu Sérgio Carvalho, numa viagem de utopias.

Anabela da Silva Maganinho

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