Monday, November 30, 2009

Paixão na defesa do futsal

João Matos é um dos jovens esperanças da selecção nacional. Iniciado ao acaso no clube da terra, o Carnaxide, João acabou por ver no futsal a grande paixão da sua vida. Actualmente ao serviço do Sporting, o internacional de 22 anos não descura a possibilidade de vir a jogar no campeonato espanhol no futuro; no entanto, prefere não especular acerca dos altos voos até porque se sente bem no clube do coração.

João Matos alcançou a titularidade na época passada, tendo, inclusive, chegado aos golos nos competitivos play-off. O Sporting acabou por ficar pelo caminho rumo às meias-finais; no entanto, João seguiu para os Jogos da Lusofonia. Por pouco Portugal não ganhou o torneio, mas, ainda assim, João sente-se satisfeito pela sua prestação. Esta época não começou tão bem, devido a uma lesão de stress, como o próprio vem a explicar, conquanto, logo se recupera e, nos dois últimos jogos, o atleta retoma ao cinco inicial.

Avizinha-se o Euro 2010, na Hungria, e o camisola 9 revelou-nos que acredita em Portugal até à vitória.

À conversa com João Matos descobrimos como tudo começou pelo futsal, como se descreve e quais são os seus objectivos enquanto jogador, além disso foram revelados outros aspectos que fazem deste profissional uma das referências nacionais.

Pontapé de saída

Anabela (A) – Estás neste momento a jogar no Sporting, mas como é que surgiu o teu interesse pelo futsal? Onde é que começaste a jogar?

João Matos (JM) – Eu joguei ténis de mesa, pelo menos até ao oitavo ano. Nessa altura, o meu melhor amigo perguntou-me se como jogávamos na escola à bola eu não queria ir experimentar jogar no Carnaxide, o clube da nossa zona. Às escondidas do meu pai lá fui. No clube gostaram de mim e queriam que eu continuasse. Continuei, então, a treinar às escondidas do meu pai até que chegou a hora da verdade e tive de lhe contar (risos). No início ele não achou grande ideia e impediu-me de ir treinar. De nada adiantou, pois continuei a ir às escondidas até eles perceberem que era aquela a minha vontade. O meu pai acabou por me dar o consentimento e acabou por se tornar, inclusive, treinador de um clube, no escalão de escolinhas. Portanto, comecei a praticar as duas modalidades. Durante dois anos estive ao serviço do Carnaxide, os dois anos de iniciado, até que recebi o convite do Sporting. O Carnaxide não se impôs e rumei até ao Sporting. Vim para cá e fiz os dois anos de juvenil, os dois anos de júnior e este é o quarto ano de sénior.

A – Quem era para ti aquele jogador que se traduzia numa referência?

JM – Na altura, eu nem acompanhava muito o futsal sénior. O primeiro jogo que vi de futsal mais a sério, com mais público, uma coisa mais forte que me cativou mais ainda foi a final de juniores. Gostava imenso de ver o Vasco, um rapaz que jogava cá, no Sporting, por toda a garra que ele tinha, por toda a vontade, pelo amor ao clube que ele demonstrava. Só depois é que comecei a ver equipas seniores a jogar. O Sporting, como é lógico, foi a primeira equipa que vi. Nessa altura, o Bibi e o Zezito eram os jogadores que admirava, para além do João Benedito que evidenciava um forte empenho, vontade e profissionalismo. Tive a sorte de jogar com todos eles, quatro anos depois. Eu nem tinha grande conhecimento de futsal nacional e muito menos internacional, então, agarrei-me às melhores qualidades dos três e tentei seguir o que eles me conseguiram transmitir.

A – Se não fosses jogador de futsal o que serias?

JM – Não sei. Sinceramente não sei. Foi uma oportunidade que surgiu muito cedo. Não larguei os estudos na altura, mas muito cedo disseram-me que tinha capacidades para vir a tornar-me num jogador de futsal. Então agarrei-me a isso e como é a minha paixão, o futsal e não o futebol, só pensei nisso e só trabalhei para isso.

A – Disseste que o futsal é uma paixão e o Sporting também é, para ti, uma paixão? Podemos considera-lo como o teu clube do coração?

JM – Sim, sempre foi. A minha família é toda sportinguista. Desde que nasci que só vejo Sporting, só se vê Sporting em minha casa. Quando se é criança com 14 anos e se recebe um convite para jogar no Sporting despoleta-se aquela euforia. É a paixão pelo Sporting mesmo.

A – Quais as características que vês em ti quando entras dentro de campo?

JM – Quando entro dentro de campo, considero que as minhas maiores características são identificáveis ao nível defensivo. Tanto a leitura de jogo defensivo, como o posicionamento, a marcação, o desarme… a minha velocidade também é uma qualidade óptima em futsal. Penso que sou um jogador que ajuda muito a equipa na movimentação. Posso não ter a bola muito tempo no pé, posso não ser aquele jogador que constrói o jogo, mas sou o jogador que movimenta, o que obriga a equipa a jogar.

A – E fora dele?

JM – Motivar os colegas. Estar sempre lá para os bons e para os maus momentos. Fazê-los acreditar que o jogo só termina no minuto 40. A vitória é sempre possível a qualquer altura do jogo.

A – Como é que podemos descrever o João na vida pessoal?

JM – (risos) Sou um rapaz muito calmo, muito pacífico, amigo e que não gosta de confusões. Vivo muito pelos meus amigos. O meu dia-a-dia é passado mais com os amigos do que com a família, praticamente. É com eles que lido a toda a hora, quando saio daqui. Sou um rapaz simples, humilde, muito tranquilo e que gosta de trabalhar.

Uma queda no início da época

A – Estiveste lesionado logo no início da época. Como é que um jogador lida e supera uma lesão?

JM – É muito chato. Em Portugal, a época tem onze meses e temos só um mês de férias. Nesta última paragem, tive os Jogos da Lusofonia, nos quais representei a selecção. Foram cerca de 15 dias (uma semana de estágio, outra de torneio) a anteceder as duas/três semanas de férias. Passadas essas semanas, volto a treinar e acabo por partir o pé numa simples corrida. Foi-me diagnosticada uma fractura de stress, excesso de carga de treino. Felizmente, a fractura foi pequena – nem foi preciso usar gesso –, andei de canadianas cerca de duas semanas e pouco depois comecei a fazer recuperação. Perdi um pouco a minha condição física, como é lógico, por estar o tempo de férias mais o tempo da lesão parado, mas, rapidamente, melhorei e consegui chegar ao nível dos meus colegas. Foi mau perder o início de época, o conhecimento e o entrosamento com os novos colegas; porém, foi rápido e os novos colegas são pessoas muito fáceis de se adaptar. Foi custoso vê-los a treinar, vê-los a jogar e eu ficar de fora, mas passou depressa.

A – Acabou por ser um facto que te fez perder a titularidade que arrecadaste em muitos dos jogos da época passada?

JM – Acabei por ter uma fase muito boa, na época passada. Esta época, mudamos o estilo de jogo e, se calhar, também as minhas funções acabam por ser um pouco diferentes. Sempre contei com o apoio do mister que queria que eu voltasse, rapidamente, à forma com que acabei a época e com que estive nos Jogos da Lusofonia. Resta-me trabalhar. Sinto que estou a um grande nível, que estou a atingir o meu pico de forma, talvez, em termos de condição física. Agora tenho de ajustar a minha maneira de jogar à maneira que a equipa está a jogar. Já fui titular no último jogo e há que trabalhar para continuar. Não é missão impossível. Temos um plantel ainda mais equilibrado do que no ano passado. Todos os jogadores podem jogar a qualquer altura, ou seja, é complicado ganhar a titularidade numa equipa assim tão equilibrada. No entanto, também não é a titularidade que está em causa, porque o que eu quero é jogar. Quero estar em campo cada vez mais tempo. Se o mister entender que eu deva ser titular melhor ainda, senão é continuar trabalhar. Vou trabalhar e vou-me aplicar para que este consiga ser um ano melhor ainda do que o ano passado.

Jogos que marcam

A – Qual podes dizer, para já, que foi o jogo da tua vida?

JM – O jogo da minha vida foi a Supertaça que ganhamos ao Benfica. O Davi estava suspenso, o Bibi foi expulso e o Paulinho estava lesionado. Quando olhamos uns para os outros estávamos reduzidos a cinco/seis jogadores de campo. Dois deles éramos eu e o Djo, os supostos miúdos que só estavam lá para rodar e para fazer descansar os outros, mas que fizeram a diferença tanto ao nível defensivo – como grandes leões, e senti mesmo que fui um grande leão nesse jogo – como ao nível ofensivo em que acabei por marcar um golo, independentemente de não ser o golo da decisão. Estivemos muito aguerridos e aquela foi uma sensação única. Como tenho amigos no Benfica, mais tarde falei com eles. Eles nem acreditavam no golo que marquei, porque, realmente, foi um golo muito estranho. O Pedrinho tenta jogar a bola contra mim para eu levar amarelo, o árbitro não diz nada. Sigo com a bola, consigo driblar o Zé Maria e marco um golo ao Bebé. Foi espectacular.

A – Foi um golo com sabor especial e, ainda que não sejas um jogador de muitos golos, como vives o momento em que a bola entra nas redes? No ano passado marcaste frente ao Freixieiro, nos play-off. Qual foi o sabor?

JM – Eu festejo tanto um golo, como festejo um grande corte. Dá-me muito gozo defender. A realidade é que gosto mesmo de defender. Ganhar um jogo a sofrer é tão bom como marcar um golo. Para mim, marcar um golo é só mais um benefício para a equipa é só mais um ponto a favor para que no final consigamos os três pontos ou a vitória numa eliminatória. Não é um sentimento muito especial, a não ser que seja um golo decisivo e aí têm um sabor especial.

A – Qual o adversário que despoleta em ti maior adrenalina quando entras em campo?

JM – Teoricamente todos os jogos devem ter esse «bichinho», essa adrenalina, porque não podemos subestimar ninguém e temos de respeitar todos os adversários ao mesmo nível. No entanto, ao jogar no Sporting que tem como clube rival o Benfica é lógico que esses jogos puxam bastante por nós. Derby é derby e não há discussão de que esses são jogos muito mais emotivos. Por vezes, nem sequer é positivo, uma vez que as pessoas se deixam levar pela emoção e não jogam pela razão, mas tudo o que envolve o jogo é superior.

A – Em relação aos Jogos da Lusofonia, dos quais falaste há pouco. Como viveste aquele momento?

JM – Até aos Jogos da Lusofonia eu só tinha duas internacionalizações. Tínhamos realizado um estágio anteriormente e o mister tinha dito que dali sairia a convocatória. Muito provavelmente, os jogadores que tinham ido àquela selecção B/Sub-21 seriam os convocados para os Jogos da Lusofonia. Como é lógico, tinha a esperança e estava confiante de que iria ser convocado. Quando saiu a convocatória vi o meu nome e vi os dos meus colegas e considerei que tínhamos uma equipa bastante boa. O torneio foi uma experiência que nunca tinha tido e achei espectacular não só o convívio com atletas de outras equipas, como com toda a equipa técnica. A semana de estágio, aquela semana de trabalho… é outro mundo, é outra vivência que nada tem a ver com o clube. Entrar em campo com a camisola da selecção é um sonho realizado. Independentemente de não ser uma competição tão grandiosa como o Europeu ou o Mundial, nos Jogos da Lusofonia estou a representar Portugal e isso é que era o mais importante. Nos quatro jogos fui titular, sendo que em três deles estive, praticamente, 40 minutos em campo. Saí de lá orgulhoso de mim próprio e do trabalho que vim a efectuar ao longo da época toda.

A – Não houve o mínimo de frustração por estar ali tão perto de ganhar e ver o troféu ser entregue, mais uma vez, ao Brasil?

JM – A selecção que levávamos não era a selecção A. Não eram os jogadores habitualmente chamados à selecção, porém, sabíamos que tínhamos potencial e que teríamos as nossas oportunidades, como aconteceu. Se o Brasil jogou ou não a 100%, como eles ainda disseram no final do jogo, o que é certo é que o resultado foi 2-0 e foram dois golos consequentes de erros de Portugal: um atraso ao guarda-redes e uma bola perdida na ala. Sabíamos que íamos ter as nossas oportunidades e era aí que nos deveríamos de agarrar. Não aproveitamos as oportunidades, facilitamos e, no final, o sentimento que fica é de tristeza até porque há sempre aquele bichinho a dizer que nós iríamos conseguir. «Era agora, era a primeira vez que ganhávamos a Lusofonia». Fiquei muito triste, mas sei que dei tudo pela selecção naquele torneio.

Rumo ao Europeu com Espanha ao lado

A – E agora pensas numa convocatória para breve por parte de Orlando Duarte para a selecção A?

JM – A partir do momento em que somos convocados uma vez há sempre a esperança de sermos convocados mais vezes. Se eu estive bem nos Jogos da Lusofonia, comecei esta época com uma lesão e, nem um mês depois de voltar a jogar, fui chamado para a convocatória do jogo com o Brasil, só demonstra que o mister Orlando não olha só para o momento. Ele conhece as minhas qualidades, viu-as na época passada, e sabe do trabalho que fiz na Lusofonia. Sabe aquilo que sou capaz de fazer e sabe que posso melhorar, ele mesmo o diz. Então estou sempre à alerta de uma oportunidade, de uma convocatória. É sempre possível, depende das intenções do mister, do que ele pretende, se acha que eu devo ou não devo ir. Se acredito que posso ser chamado? Claro, se estou a jogar posso sempre ser chamado.

A – Como achas que vai ser a prestação de Portugal já agora no Euro da Hungria?

JM – Dada a selecção que temos e a qualidade que temos, espero sempre uma boa prestação. Portugal tem uma boa equipa e tem um bom futsal acima de tudo, boa qualidade individual e um grande conjunto. Isso faz com que o sucesso apareça e, se nos fugiu há pouco tempo no jogo com a Espanha, perdemos nos últimos minutos, porque não dar agora o pulinho que falta. Acredito muito que Portugal consiga o triunfo.

A – Vários jogadores têm em ideia que Espanha tem o melhor campeonato e ambicionam chegar além fronteiras. Também tens essa ambição de chegar a um clube espanhol?

JM – Quando se está bem não se deve mudar. O Sporting é a minha casa. Vai ser sempre a minha casa, independentemente do que possa acontecer. Estou muito bem aqui. Sinto-me muito bem, sou tratado como família, como se estivesse em casa. É verdade também que o melhor futsal é em Espanha. Os melhores jogadores estão lá, as melhores equipas também lá estão, mas pode-se chamar um sonho jogar lá. Ainda não tenho a maturidade e a qualidade suficientes para chegar a Espanha e me impôr. Se for para o campeonato espanhol, o meu objectivo é de deixar marca. Não quero ir para lá para ser mais um e acabar por ser esquecido. Neste momento, tenho os pés bem assentes na terra. Sei que tenho que trabalhar muito em Portugal e ainda tenho muito para dar ao Sporting e ao campeonato português. Só depois sim, pensar numa ida para o estrangeiro, se isso acontecer.

Acerca do futsal nacional, João Matos assevera que a modalidade “em relação aos últimos anos tem subido imenso. Nos últimos dois/três anos o campeonato português é cada vez mais equilibrado. Há treinadores com mais formação, jogadores estrangeiros com mais qualidade e isso fortalece as equipas que são, teoricamente, mais fracas. Tudo isso só favorece o campeonato português”. O jogador revela estar atento não só ao lado positivo, como também aos outros aspectos que “podem levar o futsal para baixo”. “Tudo o que envolve ao nível de jogo está muito superior, no futsal português, apesar de depois haver aspectos por fora, como a falta de pagamento. No entanto, considero que o futsal está a subir muito e a transmissão dos jogos na televisão ajuda muito”, declara o jogador.

Sabemos que o futebol é, sem margem para dúvida, o desporto que se tornou numa completa imagem de marca. O futsal, segundo João Matos, “está muito longe” e continua “gostava muito que desse um pulo que o levasse para perto, porque nem perto está. O futebol é a modalidade favorita e não tem como lá chegar. O futsal batalha para subir a pouco e pouco”. O jogador do Sporting acaba por fazer ressaltar que “o que importa é que tem vindo a subir. Há cada vez mais adeptos, cada vez mais pessoas a gostarem e a praticarem a modalidade. Vamos dando passos devagarinho de forma a sermos a segunda modalidade em Portugal”.

Inserido neste mundo da bola, João Matos revela quais os objectivos que tem em mente para breve e deixa já algumas ideias para o futuro: “por agora o grande objectivo é o objectivo da equipa e ponto final: atingir todas as finais e, se possível, ganhar”. Enérgico e com a vontade permanente de ganhar, este jovem admite que pretende melhorar as suas capacidades e que quer “manter a convocatória para a selecção nacional. Se há uns meses o objectivo era ser chamado, agora pretendo manter”. Para o futuro, João manifesta a vontade de realizar o sonho de ir para o estrangeiro; porém, afirma que está muito bem no Sporting e que, por enquanto, quer servir os leões. O estrangeiro representa “uma aventura”, expõe, “o estrangeiro é um sonho, mesmo pela aventura, mesmo pelo mudar de vida, pelo experimentar o grande campeonato que se diz. Gostava de ir lá parar”.


Com muito a dar ao futsal nacional, João Matos é comandado pela paixão a cada encontro e, pela luta e entrega que veio a adquirir, o resultado apenas pode ser um no marcador da vida: um remate certeiro para a vitória.


Anabela da Silva Maganinho

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