Monday, December 10, 2007

A simples intuição da música


Tiago Bettencourt regressou à Invicta, no passado mês de Novembro, para promover o álbum de estreia “O Jardim”.
O vocalista dos Toranja dá agora a voz por um novo projecto com nome próprio, no qual se faz acompanhar por João Lencastre e Tiago Maia (Mantha).
Um disco gravado em Montreal, no Canadá, que conta com o dueto de Sara Tavares em “Canção Simples”.
A simplicidade é o que Tiago Bettencourt busca para a música, não advindo o gosto por esta de hoje, mas desde sempre. Esta arte sempre lhe despertou interesse, porventura, por influências dos pais: “o meu pai sempre gostou muito de música, sempre me rodeou de música de boa qualidade”, justifica. O essencial, sob o ponto de vista do músico, é “sermos rodeados de bom gosto e isso faz com que cresçamos a ser mais selectivos no estilo musical que gostamos”.
Efectivamente foi determinante essa “formação” por que cresceu “também um maior gosto pela música” que permitiu que Tiago Bettencourt vingasse por um estilo distinto, ainda não evidenciado em Portugal, excepto nos Toranja. Nessa banda iniciou o trajecto profissionalizante que o levou a sucessos como “A Carta” que se estendeu pelos “Laços” do último álbum.
Actualmente, a banda deliberou fazer uma pausa e Tiago decidiu embarcar num novo projecto ao lado dos Mantha. Um traçado cujo destino ainda não está determinado; contudo, adivinha-se promissor pelo presente florescente de “O Jardim”.

A – O gosto pela música suscitou em ti muito cedo, mas quando é que começou verdadeiramente a tua profissionalização?
TB – A minha profissionalização começou quando acabei o curso de arquitectura. A partir daí deixei de fazer outra coisa para além da música. Os Toranja aconteceram aquando do término do quinto ano já; porém, a minha primeira banda surgiu no terceiro. O lançamento do CD dos Toranja foi então lançado e, a posteriori, iniciei a digressão. Por essa razão não tive tempo para estagiar e só consegui fazê-lo passados dois ou três anos. Acabei o ciclo da arquitectura que era coisa importante para mim e, a partir daí, assumi-me como profissional.

A – Os Toranja surgiram na tua vida por acaso ou era um projecto pensado?
TB – Não, foi por acaso. Pedro Puppe, um amigo que frequentava a mesma turma, na universidade, convidou-me para fazer uma banda. Nessa altura, eu nem pensava em compor; no entanto, ele disse que tinha músicas. A determinada altura comecei, aos poucos e poucos, a escrever. O Puppe ia-me dizendo se o que eu escrevia era muito piroso ou pouco piroso e fui evoluindo até que não tinha sentido o Puppe cantar as minhas músicas. Separamo-nos e despoletou-se o que viemos a chamar os Toranja. Tivemos propostas para gravar discos, logo no primeiro concerto que demos, no Paradise Garage. Entramos num concurso e ganhamos. Aquando dessa participação nem sequer havia banda: não tínhamos baixista, nem um guitarrista de jeito, não tínhamos ninguém. Só que, como havia muito pouca gente a cantar em português, foi uma coisa muito diferente. Tivemos sorte ao irromperem, de imediato, muitas propostas para gravar discos. Nunca andamos à procura, veio tudo ter um pouco connosco.

A – Por falar em cantar em português, em que é que te inspiras para a composição das músicas?
TB – Sempre me inspirei no fado. Considero que o fado é a minha base e nunca deixei de o ouvir. Quando vou viajar, fico quinze dias fora e sinto saudades de ouvir fado. Não obstante, vou buscar influências, se calhar, ao brit pop, aos poetas antigos – como Bob Dylan, Tom Waits, David Bowie.

A – O que é que os Toranja ainda significam para ti?
TB – Tenho a noção que, sem os Toranja, não tinha gravado este álbum. Os Toranja fazem parte do meu percurso como músico. Aprendi muito com eles e penso que foi uma altura muito bonita da minha vida. Paramos na altura indicada.

A – Vários concertos foram realizados com os Toranja; todavia, nesta nova fase, encaras cada concerto como se fosse o primeiro?
TB – Não, isso é impossível por que já tenho muita bagagem. Não fico nervoso – acho eu –, talvez tenha o ar, mas já consigo evitar o nervosismo. Estou numa etapa em que sou muito exigente em relação ao que vou fazer ou não, em relação ao próprio espectáculo e à estética. Por isso, nunca é o primeiro. É um espectáculo que tem os outros todos para trás. Se fosse o primeiro não havia muita responsabilidade e eu, principalmente nos concertos, sinto a responsabilidade. A responsabilidade de dar qualquer coisa ao público, muito mais do que quando estou a gravar o CD. Quando estou a gravar, é uma coisa muito pessoal, ao invés, aquando dos espectáculos, estou a cantar para outras pessoas pelo que é impossível não querer ser competente.

Num projecto diferente, mas igual a si mesmo, Tiago Bettencourt mostra o outro lado da sua musicalidade.
Tiago Bettencourt & Mantha é uma formação, muitas vezes, substituída por a solo. O facto de ter ingressado nos Toranja acolhe no público mais desconhecedor uma denominação que o músico confessa não ser do seu agrado.
Tiago Bettencourt assume que consegue “sozinho fazer versões da músicas que estão no álbum, como também consigo fazer versões de todas as músicas dos Toranja”. Conquanto o que está no álbum não é propriamente o mesmo que faz sozinho, “o que está no álbum são estas músicas com a influência de dois músicos muito bons, intuitivos, expressivos e muito marcantes. Isso percebe-se ao ouvir o álbum, mas, principalmente, nos concertos”, assevera.
Não deixando de marcar a sua posição objecta que assim as pessoas conseguem perceber que não está sozinho e que, dele “não vem tudo”, para além de relevar que gosta “muito de dar valor aos músicos com quem estou a tocar”.

A – O disco de estreia intitula-se “O Jardim”. A que se deve essa escolha?
TB – Teve a ver com a capa do álbum. A princípio começou por ser uma fotografia minha num jardim, em Montreal, local onde o álbum foi gravado. Perto do estúdio situava-se uma escola de crianças com um muro gigante pintado por crianças, no qual se representava um jardim. Por outro lado, no álbum, havia uma música que falava de um jardim. Era para não ter nome e, posteriormente, acabei por lhe chamar “O Jardim”. Achei que tinha piada. Todo o álbum, as letras, o vocabulário, as metáforas têm muito a ver com a natureza – terra, mar, campo, erva, flores –; então, acho que é, realmente, um jardim o álbum. Não havia outro nome.

A – Um disco com 14 músicas que poderemos considerar “canções simples”?
TB – Ando sempre à procura de uma simplicidade, principalmente agora que somos três. Sou muito apologista da simplicidade e de limpar o mais possível para tentar chegar à essência das coisas. Quando há muito barulho não se consegue chegar ao centro das coisas e, nesse seguimento, nada está lá para enfeitar. As coisas estão lá, porque se as tirássemos ficava a faltar qualquer coisa à música.

A – Para quem não conhece este álbum, o que é que poderias dizer acerca dele?
TB – Não sei. Ando também a perguntar aos meus amigos e às pessoas o que é que acham. Posso dizer, somente, o que me dizem não raras vezes: os que gostavam de Toranja ficam a gostar mais disto e as pessoas que não gostavam de Toranja começam agora a gostar disto.

A – Quem é o Tiago Bettencourt neste momento?
TB – Quem é o Tiago? Não faço ideia. Ando aí a fazer umas músicas enquanto me deixam. Enquanto me deixam estar aqui vou cantando, não sendo arquitecto, por que considero que é uma oportunidade. A oportunidade de estar a dizer qualquer coisa às pessoas que nos ouvem é algo que não acontece a toda a gente e temos de dar a devida importância. Vou tentando muito humildemente fazer o meu trabalho.

A – O próximo single sai dentro de 15 dias, mas já podemos dizer o que nos espera o próximo álbum?
TB – Não faço ideia. Penso que, nesta altura, estou a perceber. Antes de gravarmos o álbum não demos concertos pelo que começamos a dar concertos, a 10 de Outubro. Começo a entender o que é este projecto: muito complexo, apesar da sua simplicidade. Os concertos são muito intuitivos. O João Lencastre, baterista, vem do jazz, o Tiago Maia, no baixo, também tem uma maneira de tocar baixo muito diferente e isso tem como consequência um projecto cada vez mais intuitivo. Dessa forma, é impossível dizer o que vai acontecer no próximo álbum, por que não sei como vai ser a nossa evolução. Cada concerto é uma aventura e é completamente imprevisível. Não sei muito bem onde é que isto vai dar, mas vai ser diferente.

Tiago Bettencourt espera ainda vir a alcançar muita coisa. A música é um caminho que pretende continuar a seguir independentemente do “lugar” onde o possa levar. “Noutro dia estive no Coliseu a ver os Interpol. Estava cheio e pensei «deve ser muito giro dar aqui um concerto». Adorava dar um concerto com o coliseu cheio”, revela.
Faz parte dos seus planos enquanto músico a passagem por um grande palco como o coliseu; no entanto, Tiago tem a consciência de que “é arriscado”.
Essa ideia não se lhe desvanece ainda assim. Dependendo de “como correrem as coisas vou para o coliseu”, afiança, “ou então para a Aula Magna que também é giro e já fizemos várias vezes”.
Por entre palcos e espectáculos o elo de ligação é a música e o que “queremos é ter muitas pessoas nos concertos e tocar no máximo de pessoas possível”.
As músicas fazerem parte da vida das pessoas numa “espécie de banda sonora” é a maior ambição de Tiago Bettencourt, um músico multifacetado que se encontra a atravessar “a ponte” da afirmação no “jogo” para a conquista da sua “praia”.

Anabela da Silva Maganinho

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