Saturday, May 5, 2007

Uma vida nos relvados











Domingos Paciência, o melhor jogador do ano de 1990, ao serviço do FC Porto, rescindiu recentemente o seu contrato de treinador com a União de Leiria.
O seu trajecto profissional iniciou-se na Académica de Leça, pelo que a sua formação enquanto jogador em muito se deveu a este clube – para alguns desconhecido para muitos esquecido.
Seis anos após ingressar pela Académica, Domingos foi recrutado pelo FC Porto. Aos 13 anos, começávamos a ver um grande talento ao serviço de um dos apelidados “três grandes” do futebol português. Cedo comprovou o engenho pelo qual tinha sido convidado a integrar o plantel do clube da Invicta e, com ele, Vítor Baía.
Por bolas e relvado, 1997 foi um ano de decisões e Domingos acabou por assinar com o Clube Deportivo de Tenerife por duas épocas, tendo regressado, a posteriori, às “Antas”.
Em 2001, o ponta-de-lança decide cessar a carreira de jogador e opta por enveredar por outros campos. Permanece no FC Porto enquanto treinador do escalão de juvenis para se formar nesta nova especialização. Com conhecimentos acerca do assunto ascende à equipa B.
No ano que finalizou, o contrato com os “dragões” acabou e, nem Domingos mostrou interesse pela renovação, nem os dirigentes lho perguntaram se fazia tensões de permanecer.
Com cerca de três anos de experiência, Domingos desperta o interesse da União de Leiria. Os leirienses ficavam atentos ao mercado e, não muito tempo depois, colocaram a proposta do treinador. Seguidamente a um período de ponderação, Domingos achou plausível aceitar, até pela importância que se iria destacar no seu curriculum.
“O jovem treinador ambicioso e de baixo custo” – como mencionou na contratação o Presidente da equipa do Liz – acabou por, devido a motivos disciplinares desencadeados por parte de determinados jogadores.
Até Maio, o acordo contratual será cumprido sem que o treinador possa ser requisitado por outrem.

Domingos mostrou-se receptivo perante a proposta da entrevista. Encetamos a conversa pela sua vida profissional enquanto treinador, uma vez que é a actividade que exerce actualmente.


Anabela (A) - Treinou a equipa do FC Porto muito recentemente. Foi uma opção abandonar a equipa ou novos projectos estavam a surgir?
Domingos (D) – Quando terminei de jogar futebol tomei por opção aprender durante esse período. Não pretendia entrar, de imediato, como treinador principal de uma equipa sem ter o curso e sem aprender um pouco do que, realmente, é ser treinador. Optei, portanto, por ficar na equipa B do FC Porto. Estive três anos como treinador adjunto e, no último ano, executei a função de treinador principal. O contrato era de quatro anos e, a posteriori, optei por sair e querer uma outra situação. Pretendia um projecto diferente, mais ambicioso do que aquele que é trabalhar na equipa B.

A – Foi então uma decisão de acordo mútuo?
D – Sim. O contrato terminou e eu nem esperei que me comunicassem se havia intenção de continuidade ou não. Preferi não renovar e comuniquei que gostava de sair, porque queria ir à procura de outro projecto.

Domingos recorda a experiência vivida ao serviço do FC Porto como “Boa, porque me deu a oportunidade de aprender muito”. Os primeiros passos quer para um jogador quer para um treinador são relevantes e podem ditar o sucesso ou o insucesso da pessoa. O treinador atenta no facto de que se começou a “aperceber de muitas coisas que como jogador não nos apercebemos”.
Em 2006, foi recrutado pela União de Leiria por ser um treinador jovem e ambicioso. Domingos caracteriza-se como tal e assume que “se calhar foi isso que pesou na opção que tomaram, neste caso o Presidente do Leiria, por ser um jovem e um jovem que, normalmente, quer singrar”. “As pessoas procuraram saber se eu tinha valor para tal e acharam que sim”, enuncia Domingos.

A – Chegou ao Leiria e deparou-se com uma equipa totalmente nova e diferentes jogadores. Foi difícil integrar-se na equipa?
D – Não. Não é difícil porque acaba por ser do mesmo género como se fosse jogador. Houve, inclusive, outras situações em que tive de sair daqui para um outro clube, como aquando da ida para Tenerife. Tudo era novo, porém, de um momento para o outro, deixa de o ser. No futebol, situações como esta são normais de acontecer – entram jogadores, saem jogadores, entram treinadores, saem treinadores –, portanto, a mim não me custou nada a adaptação.

A – Como recebeu a proposta feita pelo Leiria para orientar a equipa? Podemos dizer que foi uma experiência distinta de todas as anteriores pelas quais passou?
D – Evidentemente recebi a proposta de bom grado. Tinha consciência que seria uma responsabilidade grande, mas, ao mesmo tempo, um bom desafio. Esta era uma situação que eu procurava para um futuro próximo e, felizmente, as coisas não correram mal.

No Leiria, Domingos inverteu a tendência de resultados em vários confrontos, “o Leiria nunca tinha ganho ao Setúbal. Posteriormente, saiu vencedor do encontro frente à Académica em casa e em Braga que também já há alguns anos que não ganhava”.
A equipa liderada por Domingos conseguiu inverter o cenário que acontecia durante anos. Domingos fica satisfeito com o trabalho realizado nesta temporada, ainda mais por quebrar certas tendências que é um factor importante para um treinador.
Os momentos de pressão nunca o afectaram uma vez que sempre esteve habituado à pressão. Para um treinador existe uma pressão maior, pois “ser treinador não é o mesmo que ser jogador”, atenta Domingos e continua “Ser treinador significa estar dependente do rendimento dos jogadores. É natural que a pressão exercida não seja a mesma; todavia, adaptamo-nos às situações e à pressão e vamo-nos familiarizando de forma a fazer da pressão uma rotina”.
Os jogos que decorrem entre os chamados “três grandes” são os que transportam mais expectativas e mobilizam as massas aos estádios. Os motivos que justifiquem esta conjuntura podem ser vários, mas a verdade é que também são dos clubes com maiores números de adeptos.

A – Existe um esforço acrescido quando o adversário é o Benfica, o Sporting ou o Porto? Como encara esses jogos?
D – Sim, são jogos encarados de modo diferente. Dentro do futebol português são jogos distintos e são os que têm mais impacto. Os confrontos entre estes três clubes dão ao treinador o direito a dizer mais qualquer coisa no sentido de terem mais espaço na Comunicação Social.

A – Qual o valor que atribui para cada adversário?
D – Para cada adversário dou sempre o mesmo valor. Antes dos jogos, temos um relatório de muitas páginas. Estudamos o adversário ao pormenor e visualizamos um vídeo, de cerca de meia hora, no qual se evidenciam os aspectos do adversário. Esse é o tempo que dou a todos os adversários. O mais importante nas equipas é o rendimento. Portanto, se incuto na minha equipa durante toda a época que a partida tem que ser jogada conforme queremos, temos de ter em conta o nosso ritmo. O que procuro não é valorizar tanto o adversário, mas sim valorizar mais o nosso rendimento de equipa.

A essência é encarar cada adversário por si sem o subestimar. Dos critérios que utilizou para orientar a equipa teve em conta a elaboração do plantel que não queria muito grande “Queria um plantel de dois jogadores por posição. Estamos a falar de 21 jogadores adicionando-se três guarda-redes”.
Com a equipa formada e competitiva tentou sempre fazer com que cada jogador “sinta competição pelo seu lugar”, salienta Domingos Paciência.
De momento, a União de Leiria é uma equipa “que poderia ter melhores condições de trabalho”. A equipa que compete na Primeira Liga, no entanto, que ainda tem alguns problemas nas condições de trabalho, nomeadamente nos campos de treinos. “A equipa tem de fazer, todos os dias, aproximadamente 60 km para treinar, o que condiciona o trabalho do treinador”, expõe o ex-treinador da equipa do Liz.
Segundo Domingos, o Leiria “tem historial e poderia ambicionar mais, porque tinha condições para isso”. Presenciou de perto todo o ambiente envolvente e lamenta o pouco apoio por parte dos adeptos. “Gostei muito de trabalhar no Leiria, até porque é um clube diferente dos outros; porém, falta-lhe pressão e adesão. Os adeptos deslocarem-se aos treinos, pode parecer que não, mas é muito importante para uma equipa de futebol”, lamenta Domingos Paciência.
A possibilidade de considerar o regresso à equipa não é descartada. A boa relação com o Presidente mantém-se e a rescisão de contrato não foi efectivada “Não é uma porta que se fecha, é a porta que quero deixar aberta para um dia mais tarde quem sabe…”. Enquanto isso, Domingos não surgiu nenhuma proposta e, ainda assim, apenas poderia ponderar porque abandonar o Leiria não o pode fazer devido ao vínculo contratual.

A – Como avalia o seu percurso profissional?
D – Sou o que sou e devo-o ao futebol, não obstante, ao empenho, ao talento e à minha persistência. Hoje tenho uma vida estável por ter conseguido coisas no futebol, que noutras prestações não se alcançam. Cresci como homem e isso foi significativo na trajectória da minha vida.

Tantos anos ao serviço do FC Porto, relvados percorridos, campeonatos ganhos e taças conquistadas. Mas a experiência foi o que valeu ao antigo ponta-de-lança dos “dragões”. A corrida pela competição seguiu-se com a sua incorporação, enquanto técnico, ao serviço das camadas mais jovens e, a posteriori, da equipa B.
Assume-se como “mister” do União de Leiria e, a primeira jornada, exigiu de Domingos a deslocação ao “Estádio do Dragão”.

A – Qual foi a sensação ao entrar no recinto e confrontar-se com um público, outrora “seu” porque o aplaudiu e acompanhou, e naquele instante era para eles um adversário?
D – Foi uma sensação estranha. Estava a defrontar o meu clube, clube este que representei durante anos e anos. Ver-me do outro lado a orientar uma equipa para ganhar ao FC Porto foi diferente. Contudo, é evidente que a partir do momento em que sou profissional de futebol quero ganhar, independentemente de quem estiver do outro lado. A intenção foi, efectivamente, a de ganhar e, embora o não tenha conseguido, a estreia foi positiva.

A – Chegou a declarar à Imprensa que “foi uma coisa que nunca me passou pela cabeça”. É uma realidade essa afirmação?
D – Sim. Se me perguntassem há uns tempos atrás se preveria uma situação dessas diria que não. Nunca pensei porque é daquelas coisas que sonhamos e desejamos que se venham a concretizar, todavia, se calhar nunca acreditamos totalmente que possa acontecer, e aconteceu.

No que concerne à arte de jogar, estamos a falar de um ponta de lança que se destacava pela agilidade no relvado, reflectida na popularidade e no carinho depositado pelos adeptos. Estávamos perante um ponta-de-lança marcador, apesar do seu aspecto físico demonstrar alguma astenia.

A – Como é lembra o “lingrinhas” como era apelidado aquando da sua iniciação?
D – Durante muitos anos tive muitos apelidos – nomeadamente, “Brinca na areia”, “Lingrinhas” –, devido ao aspecto físico que tinha. O que tenho a dizer é que foram tempos bons e únicos que passei no futebol. Momentos que desfrutei ao máximo. Esse “brinca na areia” se fosse hoje, talvez fosse analisado de outra maneira como que “um jogador tecnicamente evoluído”. Sob o aspecto físico o jogador tem que o mais seco possível, o que se traduz em ser mais músculo e menos massa gorda.

A – Quem eram na época referências?
D – Tive a oportunidade e o prazer de vir a jogar com jogadores que, no fundo, foram os meus ídolos, o caso do Gomes, Frasco, Jaime Pacheco, Sousa, André. Porém, houve um jogador que me marcou e que, até hoje, eu digo que foi um dos melhores jogadores que passou pelo futebol português – Rabah Madjer. Um dos jogadores que já era super-evoluído para a época e, o que hoje fazem os “Cristianos Ronaldos”, o Madjer já fazia há anos.

A – O que representa o FC Porto na sua vida?
D – Um carinho especial muito grande pelo clube que me abriu as portas ainda era eu criança. Acabei por me formar nesse clube. Não obstante, abriu-me a possibilidade de me tornar um atleta de alta competição e poder com isso tirar vantagens. Também houve contrapartidas da minha parte, uma vez que servi o clube com o meu talento e com os golos marcados.

Domingos nomeou Madjer como o seu jogador de eleição, no entanto, ainda no mundo do futebol, “acho que o Presidente também é uma pessoa que fica na memória porque foi, sobretudo, com ele que trabalhei durante anos e é uma pessoa que tem o seu relevante significado para o FC Porto. O Porto passou a ganhar com este Presidente”.
O “lingrinhas” é lembrado ainda nos dias de hoje no canal Memória. Rever as imagens com saudade daqueles tempos que foram para este ex-jogador anos de grandes acontecimentos. “É sempre bom, despoleta-se uma certa nostalgia quando as vejo e, simultaneamente, um pouco de tristeza porque são tempos que não podem voltar”, confessa Domingos.

A – A Académica de Leça fê-lo dar o salto na sua carreira. É um clube que tem no coração?
D – Sim, sempre. Penso que temos que assegurar sempre a humidade para reconhecer quem nos fez bem e nos ajudou na fase de crescimento. A Académica ajudou no crescimento de uma criança e na formação da sua personalidade e por isso foi muito importante.
A – Vítor Baía acompanhou todo o seu percurso. Como vê o Vítor hoje?
D – Vejo o Vítor sempre da mesma maneira. Atento na pessoa que me acompanhou desde os oito anos. Felizmente ainda temos a capacidade e a memória para poder recorrer a ocasiões passadas. Neste momento, vejo o Vítor numa fase de decisão. Ele tem de decidir o seu futuro e espero que resolva pelo melhor. Ninguém gosta de acabar, porém, não há nada como terminar carreira e ter outro projecto para envergar.

A – Qual o reconhecimento que alcançou com todos estes anos de carreira?
D – O reconhecimento obtido é que as pessoas passam por mim e, independentemente das opções clubistas, não me insultam nem tratam mal. Ganhei um estatuto no futebol devido à minha forma de encarar um desporto de espectáculo e não de violência. Ganhar sim, mas com lealdade e honestidade e as pessoas reconhecem em mim essas qualidades. Isso deixa-me satisfeito não só por ser conhecido como jogador de futebol, mas, acima de tudo, como pessoa.

Os três filhos de Domingos acompanham de perto o percurso do pai e vêm aquilo que deu e continua a dar ao futebol nacional e internacional. O futuro profissional dos seus descendentes é importante e constitui sempre uma preocupação. “Enquanto eles se estão a formar e a crescer a minha preocupação é saber o que é que eles vão seguir e o que pretender ser no futuro. Por agora vou procurar fazer com que eles sejam bons homens”, salienta o ex-treinador do Leiria. Independentemente da profissão Domingos quer que os três se sintam felizes com o que fazem.
Um dos rapazes já se encontra a jogar nos infantis do FC Porto, contudo, “é ainda muito precoce falar no que vai futuramente”.

Na União de Leiria, começou um projecto que ainda está a concluir. Dele constavam “a manutenção “ e o desafio seguinte assentava na Europa. “Criamos um plantel para a manutenção e, a partir de determinada altura começamos a pensar de outra forma. Estávamos conscientes que existem outras equipas que também disputam por um lugar europeu e que anseiam por ele”, assegura. Ainda assim, de forma tranquila, Domingos queria realizar um bom campeonato.

A – Qual, na sua opinião, é o segredo para o sucesso de uma equipa?
D – O segredo de uma equipa é conseguir a inserção do grupo em determinado objectivo. Que ao lutarem por um objectivo formem uma contra-corrente interna. Obviamente que dentro do grupo de trabalho inserem-se os mais contentes e os menos contentes e é saber lidar com os menos contentes que se exige a um treinador, para que não possam criar conflitos no grupo. O mais relevante é detectar um grupo moralizado com bom ambiente, porque estaremos diante de um grupo forte.

A – E o sucesso de um treinador depende do quê?
D – Um treinador precisa de conseguir lidar e liderar determinados aspectos. O treinador não é um “supra-sumo”, todavia, tem de perceber um pouco de tudo e conseguir liderar o grupo de forma a obter o máximo de rendimento. O treinador tem de ser credível e, acima de tudo, levar o grupo de trabalho a acreditar naquilo que o treinador faz e pensa.

De acordo com os seus critérios, Cristiano Ronaldo é o jogador do momento “tem tido uma evolução muito grande e mostra ser um jogador que cria desequilíbrios”.
No que concerne aos jogadores, “hoje estão bem, amanha menos bem”. Domingos considera que o sucesso dos treinadores depende dos resultados que se obtêm e tem que ver com o momento que a equipa atravessa. “O treinador sobre quem toda a gente fala e vai continuar a falar durante algum tempo é o Mourinho. É uma consequência do que alcançou num passado recente e dos títulos que tem vindo a somar”, acorda Domingos.

A – Conseguiu nos jogos transmitir confiança à equipa. Como é que se consegue comunicar essa qualidade ou estado de espírito a todo um plantel?
D – Acima de tudo dar-lhes confiança na forma de trabalhar e sentirem que o que estão a fazer são argumentos suficientes para poderem ganhar um jogo. Deve-se motivar os jogadores quando se ganha, mas, sobretudo, quando se perde para que continuem a acreditar no trabalho que têm vindo a desempenhar.

A – Assume os erros sem temor. Alguma vez foi difícil assumi-los?
D – Uma pessoa orgulhosa, que procura ganhar, por vezes quando perde custa-lhe assumir o erro. No entanto, um treinador deve detectar o erro e ter consciência que o cometeu. É positivo assinala-los porque se traduz numa correcção.

A – Qual foi até hoje a sua maior superação?
D – É difícil. Numa vida de alta competição temos momentos a superar e, mesmo quando pensamos que não temos forças para combater, vamos buscá-las onde não existem.

O campeonato espanhol continua a ser o eleito por Domingos Paciência “pela abertura de jogo que existe e pelo espectáculo em si. Também pela qualidade dos jogadores que o compõem”.
Não se cinge apenas a este campeonato quando falamos em equipas a representar. Muitas são as equipas que despertam o sonho de qualquer treinador e lhe deixam um “sabor”, tais como o Barcelona, Real Madrid e Milão.

A – O que é que ainda falta ao futebol nacional?
D – Falta muita coisa, pois o futebol português está resumido a duas cidades: Porto e Lisboa. Equipa que segregam três adeptos do Sporting, Porto e Benfica. Os outros clubes são aqueles que fazem parte do campeonato e que procuram tirar pontos aos grandes de maneira a cortar-lhes a caminhada para o título. Se, em contrapartida, analisarmos o campeonato espanhol verificamos que o Barcelona e o Real Madrid são grandes clubes, porém, os restantes clubes têm muitos adeptos. Em Portugal, mesmo aqueles que são associados ou simpatizantes da Académica podem ter “uma costela benfiquista”. Somos um país pequeno, de constantes noticias devido ao número de jornais desportivos. Nós, os jornais e os dirigentes fazemos a animação. Este é o nosso campeonato: o do desabafo e da dúvida.

A – E relativamente à Selecção Nacional?
D – A Selecção Nacional conseguiu inverter uma situação. A Selecção conseguiu transformar-se num clube com o adepto português que gosta do futebol. Desapareceram os adeptos que assistiam à Selecção com camisolas do FC Porto, SL Benfica ou Sporting CP. Há que dar valor a esse feito, uma vez que mudamos de mentalidade e hoje o adepto português tem orgulho na sua selecção e nos jogadores que dela fazem parte. Vestem a camisola e entram no Estádio para apoiar.


Representou a Selecção das quinas por 34 vezes, conseguindo uma marca de nove golos.
Ao serviço do FC Porto podemos considerá-lo um vencedor. Tornou-se campeão nacional, não obstante a duas Taças de Portugal e a quatro supertaças.
Na época de 1990 foi considerado o melhor jogador do ano.

A – Qual foi, na sua opinião, o seu maior contributo para o futebol, quer nacional quer internacional?
D – O maior contributo foi, realmente, conseguir afirmar-me no futebol português e fazer com que as pessoas me apreciassem enquanto jogador. Ao nível internacional penso que o mais significativo foi representar a Selecção e ter a oportunidade de estar no campeonato da Europa de 96, em Inglaterra. Um momento único, também para mim. O Euro 96, impulsionou ao relançamento de uma Selecção com toda uma geração de jogadores.

A – Ao ver jogadores com a mesma idade, ex-companheiros, que continuam a jogar, não sente agora vontade de voltar aos relvados? Não sente algum arrependimento?
D – Sim, às vezes isso passa-me pela cabeça. Ver jogadores que jogaram comigo e ainda continuam a exercer… Mas, ao mesmo tempo, consciente de que se calhar já não conseguiria fazê-lo ao nível exigido. A pior coisa que pode acontecer a um profissional de futebol, que tantas alegrias viveu e tantas alegrias deu, é o sentimento de pena, de vergonha por não conseguir cumprir aquilo que fez durante anos. É preferível, então, optar por ter uma imagem diferente, de uma pessoa que tem a percepção que o momento já não é para ele.

A – Fundou uma academia que ajudou a promulgar esse contributo e a descobrir novos talentos dando oportunidades aos mais novos…
D – Sim. Penso que hoje tem que haver espaços para os jovens treinarem. No meu tempo, era na rua que jogava futebol por não haver escolas como esta e, portanto, acho que se deve dar a possibilidade, em termos de espaços, para as crianças jogarem e terem as condições que as façam crescer e, simultaneamente, aprenderem futebol.

Actualmente, alguns técnicos não tecem grandes elogios aos jornalistas. Para Domingos, “o jornalista português não consegue «despir a camisola do seu clube». Isso é mau para o futebol e desencadeia confusão entre o futebol português. Começa com os jornalistas e com os jornais encontrados com clube. Muitos jornalistas acabam por ser influenciados por notícias encomendadas, trabalhadas de maneira a que se consigam objectivos”.

Domingos encontra-se numa fase de finalização de contrato; contudo, a situação pela qual deixou de orientar a equipa ficaram pouco claros. O ex-treinador do Leiria declara que “quando uma pessoa está a gerir um plantel e tem poderes, só os tem até certo limite. Dada altura há superiores – o Presidente e toda a Administração – que gerem todo o futebol e exercem responsabilidades em tudo o que se passa com o grupo de trabalho”. Domingos sentiu que o grupo cometia erros desmedidos ao ponto de serem aplicados “processos disciplinares da minha parte”. Os aspectos não foram devidamente analisados e as pessoas implícitas na ocorrência não sofreram qualquer tipo de sanção. “Para o treinador é complicado por se ver na obrigação de, por vezes, ter de tomar outro tipo de atitudes (…) Cheguei a uma altura em que tive de por tudo em cima da mesa e aceitar que talvez a melhor forma seria sair”, revelar.
Suscita-se uma questão pertinente que vem no decorrer de toda a caminhada profissional. A dúvida surge em volta de se poderia vir a representar o FC Porto, por quem tantas vezes serviu. Domingos não esconde o prazer que teria em orientar a equipa da Invicta “é evidente que mentiria se dissesse que não. Um dia treinar o FC Porto foi tema que já abordei numa Conferência de Imprensa, após abandonar a carreira de futebolista. O meu sonho é um dia treinar o Porto e continuo a manter essa esperança”.
Apesar de o seu futuro profissional ainda não estar determinado, Domingos espera sentir-se realizado enquanto treinador e a expectativa move-se para “que um dia consiga analisar a minha carreira pela positiva, tal como analiso a de jogador”. Na vida de um treinador o futuro é complicado, porque não sabem o que pode acontecer. Poderemos pensar que em qualquer profissão o mesmo se afere, quando o que acontece é que “podemos [treinadores] saber que desempenhamos um bom trabalho e que trabalhamos em prol das vitórias”, mas nem sempre elas se conseguem alcançar e um treinador depende muito dos resultados e da liderança dentro e fora das quatro linhas.

Anabela da Silva Maganinho

No comments: